Rejeitos de produtos amazônicos, que hoje constituem poluição urbana nas cidades paraenses, podem se tornar matéria-prima para a produção de SAF (Sustainable Aviation Fuel), o combustível sustentável de aviação. O aproveitamento desses materiais como insumos, além de ampliar a renda dos produtores, pode reduzir o custo do combustível verde e fortalecer a cadeia de energia renovável.
A H2B Energy Transition assinou em fevereiro de 2025 um acordo de cooperação técnica de 24 meses com o Parque de Ciência e Tecnologia do Guamá (PCT-Guamá), do governo do Estado do Pará, e a Universidade Federal (UFPA), para analisar a viabilidade técnica e econômica do uso de matérias-primas da Amazônia na produção de SAF.
A utilização de insumos amazônicos na produção de SAF pode resolver vários problemas: reduzir o custo de produção, ao utilizar matérias-primas abundantes da floresta, como óleo de macaúba, buriti, inajá e tucumã, além de rejeitos como caroço de açaí e casca de cacau, reduzir a poluição nas cidades e gerar uma renda extra para os produtores, que passariam a vender um produto que hoje é considerado um resíduo, com custo para ser descartado.
O SAF é um combustível novo, sustentável, feito a partir de fontes renováveis, e que já começa a ser adicionado ao querosene de aviação tradicional, num processo semelhante à mistura de etanol à gasolina. Vários países já criaram um cronograma que prevê a adição de SAF em proporções crescentes, para reduzir a poluição na aviação. No Brasil, o SAF começa a ser adicionado em 2027, iniciando em 1% até chegar a 10% em 2037. No mercado europeu, a mistura começa este ano, com 2%, e chega a 70% em 2050.
Para atender a este mercado que está surgindo, a H2B está instalando uma planta para a produção de SAF em Barcarena, no Pará, o primeiro projeto deste tipo na região Norte do Brasil. Serão produzidas 100 mil toneladas de SAF por ano a partir de 2027, para atender principalmente ao mercado externo. A tecnologia utilizada é a HEFA (Hydroprocessed Esters and Fatty Acids), já conhecida a partir da conversão de óleos como de soja e de palma.
O que os pesquisadores vão investigar é se outros tipos de óleos também podem ser utilizados neste processo, se mantém as mesmas características químicas e se podem ser usados blends de vários tipos de óleos. Também vão pesquisar onde esses insumos estão disponíveis e em quais quantidades.
“Contratamos a UFPA e PCT-Guamá pela alta qualidade técnica e pelo conhecimento de campo que eles têm. Com essa pesquisa, vamos conseguir dimensionar toda a potencialidade das oleaginosas, biomassa e rejeitos da região amazônica que podem servir como insumo no processo de produção do SAF”, diz Sergio Marques, fundador e CEO da H2B Energy Transition. “Queremos criar um SAF que seja não apenas feito de óleos vegetais, mas também fomentar a utilização de óleos que tenham uma produção sustentável e ajudar a utilizar os resíduos que hoje são descartados”, afirmou.

O Laboratório de Óleos Amazônicos (LOA), equipamento da UFPA instalado no PCT-Guamá, vai analisar a viabilidade de se usar óleos e manteigas de espécies abundantes na região amazônica (como cupuaçu, macaúba, sebo bovino) como insumos de SAF, além de testar resíduos como caroço de açaí, casca do cacau e de outras frutas como castanha do Pará e cupuaçu, como catalisadores. “Na questão das oleaginosas já temos uma perspectiva muito positiva, sabemos que é possível produzir SAF com óleo de soja e de palma. A partir disso, queremos testar outras matérias-primas e as misturas possíveis e atender a esta demanda mundial de combustíveis que não sejam de origem fóssil”, explica o professor Luís Adriano Nascimento, vice-coordenador do LOA e responsável pelo projeto.
O outro braço da pesquisa é justamente o mapeamento dos benefícios econômicos. Douglas Alencar, professor de Economia na UFPA, vai coordenar a parte econômica do estudo, que terá a participação de alunos de graduação e pós-graduação. Usando dados do Ministério da Agricultura, o grupo vai identificar onde estão e quais os volumes disponíveis de resíduos de espécies como açaí, palma, macaúba, buriti, tucumã, cacau, inajá e sebo bovino, e estimar as distâncias e o custo de transporte até Barcarena.
O caroço de açaí, por exemplo, é hoje um problema de poluição urbana nas grandes cidades paraenses, já que 90% da fruta é caroço, o que gera uma quantidade de 1,5 milhão de toneladas por ano no estado e cria um custo de descarte desse material pelos produtores e despolpadores da fruta.
“Tudo isso é lixo na cidade. A iniciativa da H2B é importante porque pode transformar um problema ambiental em renda”, diz Douglas. “Se der certo, o SAF de óleos da Amazônica vai criar um novo mercado e, além de um combustível, sustentável pode se tornar uma importante fonte de renda para os produtores.”