31 de janeiro de 2025

Sinais trocados: afinal, qual é a política energética brasileira?

Governo brasileiro quer se diferenciar de Trump. Mas, apesar do discurso ambientalista, compra energia de termelétricas a gás.

Sergio Marques

O presidente americano Donald Trump tomou posse nesta semana (20/01) fazendo troça com a energia eólica e anunciando o desmonte de todo o arcabouço legal e financeiro de incentivo às energias renováveis implementadas pelo governo anterior. Declarou emergência nacional no setor de energia, reafirmou a política do “drill, baby drill”, inclusive para áreas preservadas do Alaska e prometeu mudar as leis para “fazer todas as coisas que queremos fazer”. O que, no caso, é investir fortemente em petróleo e gás e cancelar os financiamentos às fontes mais limpas.

Do outro lado do Atlântico, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, fez o contraponto. Em painéis e entrevistas no Fórum Econômico Mundial, em Davos, reafirmou a política do bloco de incentivar o uso de energias renováveis e confirmou o anúncio, em fevereiro, do Clean Industrial Deal, que vai diversificar as fontes de energia e investir em alternativas mais sustentáveis.

Também em Davos, o ministro das Minas e Energia, Alexandre Teixeira – que tinha desistido de ir ao Fórum após ser chamado para uma reunião ministerial, mas resolveu viajar depois do discurso de Trump – se encontrou com investidores, empresários e representantes de outros governos para reafirmar a política brasileira de energia limpa e colocar o país como uma alternativa para investimentos.

O governo, corretamente, vê a política (anti)ambientalista de Trump como uma oportunidade para atrair empresas que querem manter suas operações em países com energia renovável. Afinal, mesmo que sejam exoneradas pela nova política americana, muitas precisam justificar seus atos perante acionistas e consumidores, uma parcela deles sempre vigilantes sobre a pegada de carbono das empresas, seja como parceiros comerciais ou como consumidores.

O discurso do governo brasileiro não poderia ser mais correto. Embora os Estados Unidos exerçam grande influência na economia mundial, não necessariamente suas ações nesta área serão seguidas pelo resto do mundo, e é preciso aproveitar as oportunidades. O Brasil gosta de reforçar sua posição de líder em energia renovável, graças a uma matriz energética baseada em água, sol e ar.

O problema é que o discurso é um e a prática é outra. Ainda antes da posse do novo presidente americano, no dia 6 de janeiro o Diário Oficial da União publicou a Portaria Normativa MME nº 97, estabelecendo critérios para um leilão de contratação de potência elétrica, com entrega entre 2025 e 2030. Dos dez itens previstos no leilão, seis contratam energia de usinas termelétricas, a gás ou biocombustíveis, e um de usinas hidrelétricas já existentes. Apenas três itens anunciam a contratação de energia que pode ser de usinas novas ou de existentes. Podia ser pior, já que esta portaria corrige uma distorção ainda maior, a portaria publicada no dia 31 de dezembro do ano passado, que previa a contratação apenas de termelétricas a gás.

Sabemos, no entanto, que biocombustíveis não conseguem competir com gás em preço, e as fontes mais limpas ainda precisam de um incentivo para disputar mercado com os combustíveis fósseis. O mesmo se pode dizer em relação a usinas existentes, que não criam empregos, não fomentam investimentos, não ajudam a desenvolver o local onde estão instaladas, como ocorre na instalação de uma nova planta.

Desde seu início, há dois anos, o governo Lula vem se pautando por um discurso de estímulo à energia limpa. Isso é muito bom e um contraste com o período anterior. Mas é preciso ir além do uso das palavras corretas.

O discurso é de energia renovável, mas a prática é igual à do presidente Trump: usar os recursos do governo para estimular energias velhas, em vez de incentivar a troca do parque gerador por alternativas mais limpas.

O Brasil tem tudo para liderar a transição energética, destoando do novo presidente americano, mas para isso é preciso colocar o discurso em prática. O leilão anunciado no começo do mês não incentiva novos investimentos em energia renovável.

Nós estamos fazendo a nossa parte. A H2B Energy Transition está investindo R$ 1,3 bilhão em uma planta para a produção de SAF (sustainable aviation fuel), o combustível de aviação verde, no Pará.

O setor aéreo já tem um ambicioso cronograma de substituição de querosene de aviação tradicional por SAF na Europa, e um plano menos ambicioso, mas positivo, no Brasil. E o país pode se tornar um grande produtor desse novo tipo de combustível e mostrar ao mundo que os combustíveis fósseis foram importantes para o desenvolvimento industrial do século 20, mas o século 21 pede uma nova visão.

Sergio Marques é fundador e CEO da H2B Energy Transition, empresa criada em 2021 para produzir SAF a partir de hidrogênio verde. Já fundou duas empresas de energia renovável: a Bioenergy, pioneira em energia eólica no Brasil, e a Solyes, de energia solar.

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